Sem visitas, Penitenciária Feminina de Teresina, no Piauí, estabeleceu vídeoconferência entre detentas e familiares | Foto: Sejus/Piauí
Como está a visitação nos presídios do Brasil em tempos de isolamento?
Levantamento exclusivo da Gênero e Número mostra que visitas foram suspensas em todas as penitenciárias, mas três estados só adotaram a medida na semana passada, três semanas após início da pandemia de coronavírus
Confira a atual situação do acesso de pessoas às cadeias do Brasil:
Em junho de 2019, o Brasil tinha 752.277 homens e mulheres em um sistema penitenciário que só tem 460.750 vagas. A superlotação nos presídios causou ainda mais preocupação quando o novo coronavírus chegou ao país. A alta capacidade contagiosa do vírus, que tem como principal forma de prevenção o distanciamento social, anuncia consequências duras nas prisões do Brasil se não forem tomadas medidas efetivas de proteção à população carcerária.
Para evitar a contaminação de centenas de milhares de pessoas, todas as unidades federativas do Brasil estabeleceram a suspensão das visitas nos presídios, medida que inclui familiares e advogados. A medida também foi adotada nos presídios federais. Em alguns estados, as visitas estão suspensas desde a semana do dia 16 de março, cinco dias após a Organização Mundial de Saúde decretar a pandemia da covid-19. Outros três, no entanto, suspenderam as interações de presos e familiares somente três semanas após o anúncio: Espírito Santo, Mato Grosso e Paraíba. Há unidades federativas que atualizam as determinações semanalmente, como Amazonas e Distrito Federal e, no total, nove estados suspenderam as visitações por tempo indeterminado.
Entre os mais de 750 mil presidiários, 4,9% são mulheres, ou 37.139. Em nenhum estado, a proporção de mulheres no sistema carcerário chega a 10%. São Paulo é o estado com maior número absoluto de mulheres presas: são 11.535. Amapá é o que tem menos, 134. Os dados foram sistematizados pela Gênero e Número a partir do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, atualizado em junho de 2019 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Há medidas de prevenção contra o coronavírus menos usuais que a suspensão de visitas. No Amazonas, o governo estadual disponibilizou vitamina C para os internos de um dos presídios. Mais de 1.100 detentos receberam vitamina C injetável, e ainda houve distribuição de pastilhas efervescentes, mais comuns. De acordo com Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, a iniciativa parte do fato de a vitamina ser comumente usada no combate a outras doenças pulmonares, já que ela não tem caráter preventivo contra o coronavírus.
Nenhuma das medidas tomadas analisa o impacto mental que a suspensão de visitas pode ter principalmente para as mulheres. É o que aponta uma das diretoras da Associação Elas Existem-Mulheres Encarceradas, que atua na promoção e garantia de direitos das mulheres no cárcere, em entrevista concedida à GN.
“Quando elas estão no sistema, acabam sendo abandonadas. Para as poucas que recebem visitas, o impacto emocional será muito maior. Com a escassez das poucas visitas e a interrupção dos poucos projetos sociais aos quais têm acesso — que as ajudam a fazerem algo maior, a se sentirem bem — o impacto na saúde mental das presas será enorme”, disse Sandra Cruz.
A Penitenciária Feminina de Teresina (PI) está promovendo visitas virtuais, com videoconferências, para evitar que as detentas fiquem por tempo indeterminado sem ver seus familiares. A medida foi uma determinação do secretário de Justiça do Piauí e começou a ser aplicada no início desta semana.
Intervenção judicial
Em Roraima, estado com a maior proporção de mulheres no sistema carcerário (8,6%), a Justiça teve de interferir na forma como o governo estadual estava agindo com os detentos em relação à covid-19. Coube à Vara de Execuções Penais determinar a suspensão das visitações, por um prazo inicial de 120 dias. Em relação às detentas, a juíza responsável ainda determinou a prisão domiciliar de 42 mulheres, que cumprem semi-aberto, para evitar a contaminação de outras encarceradas. Ainda em Roraima, há cadeias sem água encanada, para consumo ou higienização das mãos.
Além de Roraima, São Paulo (com 4,9% de mulheres nos presídios) foi outro estado onde a Justiça teve que intervir para suspender as visitações. E no último dia 6, Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal, prolongou por mais 30 dias a suspensão de visitas em presídios federais.
Em âmbito nacional, o ministro Dias Toffoli, presidente do Conselho Nacional de Justiça, assinou em 17 de março a recomendação 62, que orienta as administrações penitenciárias de todos os estados sobre práticas e medidas a serem adotadas no sistema penal e socioeducativo para proteger detentos no contexto da covid-19. No documento, mulheres e adolescentes que amamentam ou que têm filhos menores de 12 anos, além de indígenas e pessoas com deficiência, são prioridade nas recomendações.
A recomendação pede reavaliação das prisões provisórias quando a pessoa se encaixar nos grupos considerados mais vulneráveis ou quando as prisões estiverem superlotadas. O mesmo vale para prisões preventivas com prazo superior a 90 dias, decorrentes de crimes que não sejam graves. Há também a possibilidade de prisão domiciliar a quem estiver em regime aberto ou semiaberto, com prioridade para esses grupos.
No dia 6 de abril, foi divulgado que, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), já foram reavaliadas situações de milhares de detentos seguindo essas recomendações. O Depen confirmou à Gênero e Número que 25.228 detentos tiveram sua situação modificada, mas não informou a proporção de homens e mulheres, pois não foi um dado informado pelos estados.
Confira a atual situação do acesso de pessoas às cadeias do Brasil:
Os estados que definiram suspensão por até 15 dias o fizeram ou renovaram entre os dias 30 de março e 02 de abril. Aqueles com suspensão de 30 dias definiram o prazo entre os dias 17 e 26 de março.
*Lola Ferreira é repórter e Marília Ferrari é diretora de arte da Gênero e Número.
Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.
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